segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Percebendo o socialismo capitalista de Chipande

O General Alberto Chipande encontra-se numa situação ímpar. Os historiadores oficiosos dizem-nos que é o homem do primeiro tiro contra o colonialismo português. Só isso encerra um grande peso simbólico. Recentemente o general Chipande recorreu aos livros de história para voltar a ser o primeiro a disparar mais um tiro que quanto a mim não deixa de ter um significado muito importante na história de Moçambique.
O general Chipande questionou a razão das críticas sobre o facto de alguns dirigentes da Frelimo mostrarem sinais visíveis de acumulação de riqueza num ambiente de negócios que parece hostil à maioria dos moçambicanos. “Se Mondlane e Machel fossem vivos, seriam também acusados de serem ladrões.... somos acusados de ladrões porque estamos vivos,” Chipande é citado a dizer.
Pois bem, não pretendo discutir a moralidade do processo de acumulação de riqueza dalguns dirigentes da Frelimo. Pretendo é procurar olhar para a mensagem que as declarações de Chipande parecem encerar. Para já é salutar que os moçambicanos discutam essas coisas e que os dirigentes também se envolvam nessa discussão.
Vou procurar basear a minha análise em teorias de comunicação sobre a mensagem. Para a comunicação ser efectiva é necessário que quatro requisitos sejam observados, nomeadamente que uma mensagem seja transmitida, seja recebida, que haja resposta, e que seja compreendida. Portanto, a mensagem é veiculada através de um medium, e tem uma ideia ou ideias. Ela também contém elementos semióticos e sociológicos. Os semióticos referem-se aos sinais e códigos dentro dos quais os sinais têm significado e os sociológicos à audiência.
A análise semiótica olha para os textos (incluindo programas de rádio e televisão, filmes, bonecos animados, jornais, entre outros) e a prática utilizada para produzir e interpretar tais textos. Em última análise deve se olhar para além do texto específico. A primeira tarefa é estabelecer as convenções, identificar as diferenças significativas numa tentativa de modelar um sistema de categorias, relações, conotações, distinções e regras utilizadas nos textos.
Portanto, um texto é um sinal complexo contendo outros sinais. É preciso questionar as funções ideológicas dos sinais no texto; que realidade o texto procura construir e como o faz; como procura naturalizar a sua perspectiva; e que assunções tem da audiência.
O mensageiro tem de ter em conta a oportunidade do lugar e do momento, para além de saber adaptar-se ao carácter dos que o escutam. Como dizia antes, a mensagem é veiculada através de um medium e no caso vertente o general Chipande transmitiu a sua mensagem através dos meios de comunicação social – temos que ter em conta que o espaço mediático é um espaço onde se pretende definir e construir a realidade social.
Que realidade social pretende Chipande construir? O sociólogo Elísio Macamo já dizia no seu livro “Um País Cheio de Soluções” que no período imediatamente após a independência a Frelimo tinha um discurso catequista e puritano que nos ensinava “a torcer o nariz perante a riqueza, independentemente da sua origem. A mistura dessa socialização com certos hábitos culturais problemáticos afecta o nosso discernimento.”
Sendo que, os dirigentes da Frelimo, Chipande incluso, entendem que é preciso alterar essa nossa realidade social que de alguma forma faz parte do nosso ADN cultural. A nova realidade social que se pretende é de que não há problema nenhum em acumular riqueza, o que não é mau ao de todo.
Ademais, temos que aceitar que historicamente o processo de acumulação de riqueza nunca foi pacífico e sem os seus detractores. É só lançarmos o olhar para a forma como os americanos construíram a sua riqueza nas costas dos escravos; como os ingleses tornaram-se ricos; ou mesmo como os portugueses durante algum tempo enriqueceram comercializando escravos e pilhando as nossas riquezas.
Aliás, alguns países ricos continuam firmes em deter e controlar os meios de produção de riqueza através de todo o tipo de barreiras e mecanismos, utilizando instituições como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio, apenas para citar alguns. Chipande quer-nos relembrar essa realidade e nos fazer aceitar que não há mal nenhum em que os dirigentes moçambicanos também acumulem riqueza. Evidentemente que compreender esse desiderato não significa concordar com ele, sobretudo se tomarmos em conta os meios utilizados para se acumular essa riqueza.
O local que Chipande escolheu para disparar o tiro é também importante. Foi mesmo quando passava o testemunho ao jovem tigre Celso Correia, como o SAVANA o apelida. Correia aparece nos média moçambicanos com uma narrativa própria: representa a estória de um jovem bem sucedido no mundo empresarial - há quem o tenha avaliado em mais de cinco milhões de dólares norte-americanos ainda que não saibamos em que circunstâncias amealhou o dinheiro.
O facto de Correia ter substituído um histórico da Frelimo do volante de um empreendimento como o corredor de Nacala também tem o seu simbolismo. É preciso procurarmos entender que condições estruturais existem para que jovens empresários (gosto de dizer gestores) singrem no país, e talvez replicarmos para termos tantos outros. O problema resulta de as tais condições estarem envoltas de secretismo e mistério ao ponto de tantos outros jovens não poderem beneficiar delas, ou não saberem como fazer para tirar proveito delas e também ajudarem na construção de desenvolvimento em Moçambique.
Mas voltando à vaca fria, a audiência é de âmbito social e Chipande disse tanto ao afirmar que “o corredor não deve servir um punhado de pessoas, mas servir os interesses do povo, não importa o contexto e o tempo.” Há que a mensagem era dirigida? Ao Celso Correia? Ou a quem o colocou ao volante do CDN? Ou aos moçambicanos? Bom, é difícil responder sem compreendermos as funções ideológicas que o texto encerra.
Ao meu ver, a mensagem de Chipande vai para o Celso Correia, a quem o colocou, e aos moçambicanos. Ao Celso, parece que a mensagem foi de que és jovem para me substituíres, e a quem o colocou, a questão é de que todos nós queremos um quinhão da riqueza, e aos moçambicanos, que apesar de estarmos a acumular riqueza não nos crucifiquem. Se não porque reclamar que nos chamam de ladrões?
A questão mais importante é essa: não nos chamem de ladrões e deixem-nos acumular riqueza. Esta é a realidade social que o tiro de Chipande pretende que entendamos. Ao introduzir no nosso léxico o termo socialismo capitalista, Chipande e a Frelimo, pelo menos o pequeno grupo da Frelimo que toma decisões que eventualmente são carimbadas na Rua Pereira do Lago, quer nos fazer lembrar que o projecto socialista ainda vigora no seu seio, mas com uma nova dimensão e roupagem. Resta saber se o socialismo capitalista estará ao alcance de todos os moçambicanos – mais um capítulo nos livros da história moçambicana.

11 comentários:

  1. BV, boa análise. Apesar de pessoalmente não ter a oportunidade de ouví-lo a falar, acho que não tem nenhum interesse discutir o que o Gen. Chipande disse pelo facto de simplesmente ter posto as coisas numa linguagem tão simples que todo o Mundo ouviu!
    Joseph Hanlon, Carlos Nuno castel-Branco, Kenneth Hermle já tinha falado do processo de acumulação do capital pela elite política do partido dirigente. Talvez a diferença nasça pelo facto de te Chipande não escrito em livro. Disse-o em alto e bom som; facto que começo a desconfiar se os moçambicanos andam ou nãio atentos ao que se produz cientificamente.
    Proponho que a próxima vez o Gen Chipande vá fazer declarações como essas no Show de Talentos da STV. Aí sim verá com seus próprios olhos como o povo reage.
    Abraços.

    ResponderEliminar
  2. O grande problema reside no que se pretende transmitir à maioria. O General Chipande disse a verdade, mas há quem quer o disculpá-lo, arranjando qualquer discupa discursiva ou que tenha sido mal compreendido. Pessoalmente nenhuma dessas desculpas pega, pois em termos linguísticos, ele domina o português, a língua que usou quando ele disse sobre a acumulacão de riqueza dos nossos libertadores. Outros querem dizer que nós o compreendemos mal. Entretanto, se Chipande não é quem mal diz, o problema está nos receptores da sua mensagem. Contudo, gostei e gesto do General Chipande pelo respeito que dá aos receptores da sua mensagem: compreenderam-me bem, diz ele.
    Para mim, o problema com o discurso do General Chipande reside pelo facto de ele não dizer que Lázaro Nkavandame era um dos mais visionista da Frelimo; que os outros antigos combatentes, esses que estão aí nas aldeias têm o mesmo direito de enriquecer.

    ResponderEliminar
  3. Bom regresso

    Boa bayano. sempre digo que este pais esta refem da suia historia da luta. Grande parte das elites sao os que participaram na luta, seja ela de libertacao bem como na guerra entrea FRELIMO e a RENAMO. Claro os da que participaram na primeira luta estao na dianteira e os da segunda no vagao de tras (teoria de comboio de Florentino Dick Kassotche).

    Por detras do discurso do General esta patente algum inconformismo e logo desagua em recados silenciosos quanto a mim nao e dirigido ao "brilhante" Celso Correia, novo timoneiro do CDN.

    Sera que precisamos libertar as nossas mentes deste espirito "Chikwembo" de participacao na luta? O Filosofo Severino E. Ngwenha questiona: O que e que a independencia comporta como responsabilidade? Mas nao deixemos de reconhecer o papel que estes homens como o General tiveram para a libertacao da patria, isto e inquestionavel. Mas nao devemos eternizar a compensacao da participacao na luta de libertacao da patria, porque libertar a patria nao pode ter preco, se nao se confunde a heroicidade com interesse e patriotismo com oportunismo. nao precisamos ser filhos de antigo combatente para ganharmos razao, termos previlegios.

    Rildo Rafael

    ResponderEliminar
  4. Meu Caro Bayano

    Depois de ter comentado a respeito deste assunto no Batulandia dizendo que Chipande tinha cometido um "lapso" buscava oportunidades para me retratar, eis que voce me concede.

    Olha deve ficar claro que Chipande, deu um tiro, um tiro certeiro na demonstracao de que o pais tem "donos" o que nao e mau, mas donos que nao respeitam as regras que eles proprios criaram, "donos" que ja se esqueceram dos ideiais pelos quais lutaram pela independencia, donos que nao tem o minimo de bom senso e reconhecer quando estao errados, isto e, o poder exacerbado leva a este tipo de situacoes.

    E preciso compreender que ate poderia ter sido mal compreendido como eu julgava ao ver as declaracoes do General na sua primeira aparicao, mas a segunda, por ter sido a segunda e sobretudo por ter sido no Comite Central e com uma arrogancia desmedida, deixou-me claro que Chipande estava mesmo convicto que todo aquele que lutou pela Independencia podia e devia ser rico, a qualquer custo, nao importava se for licito ou nao, mas o facto de o ser desta geracao, tem por obrigacao ser rico.

    Ao Reflectindo que de alguma forma no seu comentario toca-me, queria reiterar que nunca tive a dimensao da falta de sentido de oportunidade de algumas pessoas que constituem o repositorio da nossa historia, por isso, tive a percepcao de que o general tinha-se equivocado, mas agora, caiu o pano, o general falou do seu mais profundo coracao, e com a sua mais alta conviccao, lutou pela independencia para ser rico.

    E uma pena, mas foi essa a sua motivacao, e felizmente ele e rico.

    Abraco

    ResponderEliminar
  5. caros amigos e colegas,

    para já dizer khanimambo pelos comentários. estou muito apertado pelo que não poderei responder aos comentários tão já. prometo que antes do dia de hoje hei-de dar o meu feedback.

    abraços

    ResponderEliminar
  6. @ caro vaz,

    acho que estás a satirizar demasiado. penso eu que de alguma forma tínhamos que compreender o que a mensagem dele encerra. não é todos os dias que um dirigente da frelimo põe a boca no trombone. claro que hanlon, castel-branco e hermle já tinham discutido a questão, mas encontraram um mutismo. então, esta é a oportunidade para se regressar ao debate sobre esta questão de acumulação de riqueza no país, e de forma desapaixonada.

    ResponderEliminar
  7. @ caro reflectindo,

    ainda bem que concorda que é salutar que o general tenha aparecido a dizer o que disse em bom tom. penso que as pessoas que disseram que foi mal compreendido tentaram preemptar o debate. mas também é preciso perceber que não me parecem ter defendido a posição de que alguns dirigentes da frelimo não estejam a acumular capital. todavia, estes mau entendidos revelam, quanto à mim, que não há uma única visão sobre a questão no seio do partido. não sei se está a perceber-me. é por isso que falo de uma nova realidade social.

    agora, quanto ao kavandame, não posso comentar visto que não me recordo que o general tenha o mencionado.

    abraços

    ResponderEliminar
  8. @ caro rildo,

    bons olhos te vêm ou lêm lol. bem, concordo com as questões que levantas. agora, avanças a tese de que a mensagem não era dirigida ao celso correia. a quem então? tens algumas pistas?

    abraços

    ResponderEliminar
  9. @ caro noa,

    não acompanhei o debate sobre a questão no bantulândia, mas é sempre bom mudarmos de posição quando as evidências são patentes. não sei se é bom que o país tenha donos que não nós os moçambicanos. nem mesmo as famílias dos pais fundadores nos eua ainda se arrogam esse direito. afinal para que serve a constituição? não vou com a ideia de que estejamos a viver num reinado e não uma república onde cada um nasce livre e igual aos outros.

    abrações

    ResponderEliminar
  10. Pena ter chegado Tarde mas não deixar de agradecer pela postagem e acrescentar que alguns factos vão ser mudados conforme a conjuntura o Pachinuapa agora aparece a dizer que "a guerra não começou no local antes anunciado só que este se encontrava perto dos escritórios oficiais da FRENTE"

    ResponderEliminar
  11. Pena ter chegado Tarde mas não deixar de agradecer pela postagem e acrescentar que alguns factos vão ser mudados conforme a conjuntura o Pachinuapa agora aparece a dizer que "a guerra não começou no local antes anunciado só que este se encontrava perto dos escritórios oficiais da FRENTE"

    ResponderEliminar