segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Somos o que lemos (a)?

Os jornalistas americanos e britânicos (tanto que eu saiba) têem uma forma muito particular de examinarem os seus políticos: sempre procuram saber o que os seus líderes andam a ler. Aparentemente os livros e jornais que os mesmos lêem oferecem-lhes uma perspectiva sobre os seus interesses, a sua visão do mundo, como tomam as suas decisões, entre outros.
Comecei a interessar-me por este tipo de cobertura jornalística quando no auge da invasão ao Iraque começou-se a noticiar sobre as baixas entre as forças norte-americanas e a popularidade de George Bush conheceu uma queda, este último revelou à cadeia televisiva Fox News que não lia jornais e que tomava as suas decisões com base nos “briefings” que recebia diariamente dos seus conselheiros.
Achei as suas afirmações interessantes! Aqui estava o auto-proclamado líder do Mundo Livre a dizer ao mundo que dependia do que os seus conselheiros o diziam visto serem “fontes objectivas”; interessante! Agora, recuemos no tempo: o terceiro presidente norte-americano, Thomas Jefferson, grande defensor da Primeira Emenda constitucional (que advoga a liberdade de expressão) dos Estados Unidos da América, que mesmo chateado com a forma como a imprensa reportava sobre o desempenho do seu governo disse famosamente que “preferia antes ter jornais sem governo do que um governo sem jornais.”
Será porque se dissesse o contrário sérias perguntas e dúvidas levantar-se-iam à seu respeito? Não sei. Qualquer pode especular sobre o significado da frase, mas vou lançar uma pequena provocação: Jefferson, que acreditava que todos os homens são iguais, continuou a manter escravos mesmo quando isso tornou-se impopular.
Voltando ao Bush: podemos questionar se os conselheiros são fontes objectivas. Pode ser que o sejam. Acho que isso depende da honestidade intelectual de cada conselheiro. Mas olhando para a governação da administração Bush, torna-se me difícil defender a posição de que os seus conselheiros eram ou são imparciais tanto não seja por causa da sua visão do mundo. Aliás, quando Collin Powell começou a desafiar os mesmos conselheiros não tardou que fosse banido do círculo interior para permanecer na periferia do partido Republicano.
Graças a Deus, o reinado de Bush acaba no dia 20 de Janeiro próximo; não preciso de catalogar o que o mundo passou durante os oito anos em que esteve à frente dos destinos dos EUA, e por tabela do mundo inteiro.
A questão que quero levantar é saber, como o sociólogo Elísio Macamo, “quais as condições que devem estar reunidas para que o público leitor seja mais selectivo”? Esta questão é difícil e talvez devia começar por procurar saber o que motiva as pessoas a ler. Bem, sou de opinião que qualquer um que queira manter-se a par de eventos locais, nacionais ou internacionais deve acordar todos os dias com a vontade, se não mesmo desejo, de ler jornais. O bom senso manda dizer que as pessoas melhores informadas e enformadas são as que lêem mais (e que sabem ler), e obtém muita da sua informação nos jornais. Portanto, lemos para nos informar; mesmo a leitura de diversão nos informa.
Agora, porquê lemos os títulos que lemos? As motivações são certamente várias! Acho que os lemos alguns títulos visto terem ou abordarem questões que são do nosso interesse, mesmo que a gente não goste da perspectiva apresentada. Por exemplo, não sou assim muito fã do jornal “Domingo”, mas mesmo assim não deixo de fazer a minha leitura dominical.
Mais, penso que para se melhor entender as questões e tomar-se decisões enformadas, é melhor ler-se quantas posições possíveis sobre o mesmo assunto visando atingir esse desiderato. Não é fácil lermos algo que vai contra os nossos princípios, mas a experiência ensina que não se cria conhecimento ignorando-se as posições dos outros.
Também lemos para aprender novas coisas, ideias e paradigmas, entre outros. Isso, julgo eu é importante porque abre-nos várias janelas do mundo em que vivemos. Tenho em mim que no mundo de ideias não há pior coisa que entrarmos na mata sem cão, como soi dizer.
Agora podemos voltar à questão das “condições”. Portanto, resgatando a questão colocada pelo EM: “quais as condições que devem estar reunidas para que o público leitor seja mais selectivo”?
Na postagem anterior avancei que a diversidade dos média, de alguma forma, proporciona aos leitores, ouvintes e telespectadores uma gama de escolhas, o que os pode tornar mais exigentes – tenho em mim que quanto mais fontes tivermos, mais chances temos de vermos o que é bom e o que é mau e assim fazermos as nossas escolhas.
Do disposto acima, podia socorre-me de uma deixa do economista e palestrante motivacional, Stephen Kanitz, publicada com o título curioso de “Cuidado com o que ouvem (Revista Veja, São Paulo, p. 20, São Paulo)”. Kanitz diz que é necessário preocupar-se com o que se lê, ouve ou aprende, para a dissipação de equívocos. Ele chamou isso de “vigilância epistêmica”. Acho que isso significa que se deve peneirar a informação que se recebe, e acho essa uma condição para se ser mais selectivo.
Vejam bem que não digo que seja essa a única condição. É apenas uma no meio de outras condições não menos plausíveis.
Que relação existe entre a liberdade de expressão, e por tabela liberdade de imprensa, com o direito à informação? Não sei se estou colocar bem a questão, mas o que quero dizer é se o jornalista quanto diz que está a pôr em prática a sua liberdade de expressão satisfaz, de facto, o direito do cidadão à informação? Se o seu entendimento de liberdade de expressão é de que qualquer tipo de informação representa o interesse público ou interesse do público? O quê é que o público entende de direito à informação, se é que entende? Quais são as condições para a materialização dessa dicotomia? Será que a superficialidade com que a informação é tratada nos nossos média serve o direito à informação? É benéfico que sejam apenas os média e os políticos a definir a agenda?
Levantei essas questões para mostrar que, ao meu ver, a boa interacção entre a liberdade de expressão e direito à informação, onde os média são cada vez chamados a serem criteriosos e rigorosos no tratamento da informação, é uma das condições que pode aumentar a nossa compreensão do que é “bom” ou “mau” para se ler, e assim sermos mais exigentes ainda. Não basta saber que temos liberdade de expressão e direito à informação sem preocuparmo-nos na sua plena efectivação. Alguém me compreendeu?
Talvez devesse ter começado com a educação, mas o importante é lembramo-nos que ela desempenha um papel fundamental na nossa compreensão do mundo. Será que o sistema de educação que temos contribui para que o cidadão seja capaz de ser mais exigente? Por outras palavras, será que a educação forma-nos para questionarmos ou apenas para sermos esponjas que apenas enxugam e não criam conhecimento? Quiça seja este o cerne da questão!
Mas não posso terminar sem olhar para a questão de cidadania. Acho essa uma outra condição para se ser mais selectivo. Aqui se deve olhar para como é que se pode ter cidadãos que tenham sensibilidade e conhecimento das relações entre os média e as instituições democráticas. Deixar-se que os cidadãos elevem a sua consciência de cidadania sem que haja uma acção deliberada para tal possa talvez ser uma mera quimera.
Não há dúvidas que a proliferação dos blogues, onde o sujeito é o jornalista comunitário (citizen journalist), pode ser uma manifestação dessa elevação da consciência de cidadania, mas é preciso perguntar se a multiplicação dos mesmos significa a efectivação da dicotomia liberdade de expressão e direito è informação. Acho que se chegarmos a esse ponto teríamos desafiado o público a exercer a influência que lhe compete com critérios apropriados para um maior conhecimento dos média e análise da linguagem que utilizam.
Enfim, a questão não está esgotada: somos o que lemos?

9 comentários:

  1. Eu leio o que posso comprar e o que me podem emprestar. Tendo em conta estes limites, o que serei?

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  2. bayano, a tua reflexão é muito interessante. acho que a questão da cidadania é crucial. não tenho a certeza sobre a distinção entre liberdade de expressão e direito à informação. eu diria que a liberdade de expressão, quando usufruída pelos orgãos de informação, devia apenas tomar o cuidado de não violar o nosso direito à razão. entendo a liberdade de informação não como o direito a ser informado, mas sim a transparência da governação. abraços

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  3. ah, esqueci-me de comentar o primeiro comentário. acho que quem lê o que pode comprar e o que lhe emprestam é um leitor ávido.

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  4. Bela reflexão B. valy.

    Elísio, quem define a pertinência da informação que se deve dar ou receber? olhando para esta afirmação "...Transparência da governação".

    Acho que o jornalista tem a obrigação de responder as exigências do consumidor, não dar aconhecer o que lhe dizem mas o que viu de forma cabal e objectivo. abraços

    Ximbita!
    Tem me achado radical e tendêncioso nas comparações que lhe faço mas desta vez revelou sua "curiosidade" inesgotável.
    bjs

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  5. Parabens pela postagem!

    Tenho me dado tempo para assistir ao «Tempo de Antena» concedido aos nossos candidatos na Televisão Pública. Acho que os jornalistas americanos e britânicos teriam muita dificuldade em examinar os nossos políticos. A julgar pelos discursos descabidos, tirando os mais mediaticos (malta Daviz, simango, etc), os que restam leêm tão pouco ou então não leêm nada.

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  6. Oi, nao me parece que sejamos o que lemos! quantos de nos leem e compram obras de qualidade e sao uns mediucres, tanto no comportamento, como no trato e nas suas atitudes...sendo este comentario eh referente aos adultos

    ha criancas, que influenciadas plos seus superherois, tentam ser o que leem, isso, sim!!

    Bayano, gostei do teu texto e de conhecer te pessoalmente!
    Anonima.

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  7. cara anónima,
    surpresa agradável esta. passe mais vezes. agora quanto a questão, penso que continua no ar: somos o que lemos? veja que um livro sobre física nuclear pode remeter à uma mente apaixonada pela física a conhecer melhor a constituição nuclear dum elemento e com isso empregar o seu potencial em muitas áreas. mas o mesmo livro nas mãos de um terrorista pode-lhe oferecer uma oportunidade de fazer uma bomba "suja" capaz de destruir vidas e cidades. pelo que, não achas que a pergunta continua válida e podemos até dizer, com base no exemplo que dei, que a leitura nos acaba moldando e acabamos sendo o que lemos: bons ou maus.
    deixo-te o meu e-mail para o caso de voltares a passar (bayanovaly@yahoo.com). eu também gostei de te conhecer.
    bayano

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  8. Caro Bayano, voltei a passar e logo que possa, mando lhe o meu endereco.

    Indo a questao que colocas, penso que eh pertinente, mas estamos a discutir o sexo dos anjos...somos o que lemos, mas tb nao somos determinadas coisasa ou nao temos deerminado tipo de personalidade por causa do que lemos. lembro me, a este proposito de, aos 15 anos, ter lido o livro: Eu Kristiane F, 13 anos, Drogada, Prostituta. Eh um livro que marcou muito a minha vida. Lutei muito para que nenhum daqueles predicados de Kristiane me caracterizasse, mas, como deves imaginal plo tipo de sociedade que vivemos, oportunidades para ser como ela, nao me faltaram...dai eu acreditar que possamos nao ser o que lemos...que eh o que explicas no ultimo post.

    SJ, saindo um pouco do anonimato!

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  9. cara sj,
    o que te fez não acabar como a kristiane f? talvez tivesses já interiorizada algo que fez-te escolher o caminho que acabaste escolhendo, não? não terá isso sido fruto do ambiente familiar, círculo de amizades e livros, entre outros? o que quero dizer é que durante a vida vamos influenciado e sermos influenciado por quase tudo o que nos rodea, sejam eles livros, amigos, família, professores, e por ai fora. podias ter escolhido seguir as peugadas da kristiane, mas não o fizeste. portanto, fizeste o contrário do livro, não? mas estou a gostar deste debate porque estou a ver outros ângulos.

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