segunda-feira, 23 de março de 2009

A pobreza jornalística

Acho que já devem estar fartos de ouvir sobre a importância dos meios de comunicação social na educação e formação da sociedade. Eu também já ouvi isso vezes sem contas, tanto na redacção como nos bancos de instituições dos media onde fui aprender as teorias de comunicação e a arte do jornalismo. É que eu comecei por fazer jornalismo na prática e depois fui aprender a teoria. Bem, isso não interessa muito.

O jornalismo nos tempos aúreos da revolução serviu para avançar os interesses da Frelimo, mas pelo menos essa estava clara sobre o que pretendia que fosse a comunicação social. Eduardo Namburete escreveu numa comunicação sobre os meios de comunicação de massas no país que numa reunião que Samora Machel teve com os jornalistas em Setembro de 1975, foram afloradas várias questões sendo que ressalvo as seguintes: a imprensa deve escrever para o povo; as notícias devem ser buscadas no trabalho do povo; o jornalista deve reflectir, à nível cultural, a personalidade moçambicana.

Evidentemente que há questões que podem ser questionadas, mas vamos utilizar o princípio de caridade e centrarmo-nos no essencial. Todas as acções do jornalista deviam ser focalizadas sobre o povo (já sei que subentende-se um quê de paternalismo, mas eram outros tempos). É interessante que a perspectiva marxista dos meios de comunicação social continua válida em quase todo o mundo – os média existem para defender a população e procuram buscar nele a sua legitimidade. Mesmo onde as demarcações ideológicas são bens patentes entre eles o povo fica no centro (embora mais e mais os interesses económicos comecem talvez a ser mais determinantes).

A definição mais elementar sobre a comunicação diz que é o processo de troca de ideias, factos, opiniões através dos quais o recepiente da informação partilha o sentido e compreensão com a outra. No caso dos média, eles informam e o público reage em função da compreensão que tem da informação. Dai segue que um bom comunicador deve compreender o recepiente da mensagem e conhecer as capacidades do mesmo não somente em entender a transmissão como também o seu efeito. Aqui subtende-se que da emissão da mensagem há vários codificadores e descodificadores para que se entenda a transmissão.

Voltamos ao educar e informar. Mas como jornalistas (eu incluso) educamos e informamos? Vem isso a propósito das desnecessárias mortes de compatriotas na Zambézia e Nampula. “Amarrou-se a chuva” de um lado e distribuiu-se “a cólera” do outro, e será que houve tentativas de se procurar entender porquê razão as pessoas agiram como agiram? Que condições existiram para que agissem como agiram? Em que contexto se reproduzem esse tipo de manifestações? Qual é a relação de cada uma das famílias nesses povoados? Que mecanismos essas populações têem de resolução de conflitos? Já houve casos semelhantes no passado? Existem ou não estruturas de solidariadade no seio dessas comunidades? Se existem, porquê não foram despoletadas? O que enforma as decisões dessas comunidades? Como é que são comunicadas as mensagens de sensibilização contra tais práticas? Que linguas são utilizadas para as comunicarem?

Enfim, o jornalista não precisa ser um cientista. Apenas precisa ter um pouco mais de imaginação e sempre utilizar uma das ferramentas que nos é ensinada: o cinismo (Já tinha explicado sobre isso numa postagem anterior). O cinismo aqui significa farrejar sempre a procura do osso, e não aceitar explicações simples. Mas será que as explicações dadas sobre os “amarra chuva” e “distribuidores de cólera” levantaram algumas suspeições dos jornalistas que cubriram os fenómenos?

Dizia eu que o papel da comunicação social é educar e informar. Pois bem, está-se a informar, mas onde é que está a componente educacional? Talvez a dificuldade resida na codificação e descodificação das mensagens?

A questão acima leva-me a uma outra: não existirá uma dificuldade de descodificação das mensagens por parte de muitos moçambicanos? E se existe, porquê não pensar noutras fórmulas? Penso que Moçambique é o único país na África Austral onde não se conheçam jornais escritas em linguas nacionais. Há um tratamento quase desprezível das linguas nacionais, utilizando-se apenas o Português. Há tempos Renato Matusse defendeu algures a ideia de que devia-se dar aos jornalistas uma oportunidade para reflectirem sobre a riqueza das linguas nacionais nas escolas de jornalismo. Dizia ele que isso levaria aos jornalistas a aperceberem-se que para além de transmitirem emoções e messagens astéticas, também comunicam um corpus de conhecimento científico e realizações literárias dos moçambicanos. Não será esta uma boa altura de revisitarmos o seu pensamento?

Estou ciente das dificuldades da grafia das linguas locais, mas será esta uma desculpa para não se escrever nelas? Os economicistas poderão avançar argumentos sobre a viabilidade de tal projecto, mas poderemos alguma vez saber se não tentamos? Penso eu que educar exige muito mais de todos nós, e talvez seja altura de nos educarmos para melhor servir o país e ao povo, como dizia Samora Machel.

11 comentários:

  1. Bayano, vou cingir o meu comentario ao aspecto das linguas moçambicanas. Habitualmente vejo minha avo a ler a biblia em lingua copi, apesar de falar perfeitamente a lingua de Camoes, e a questionei por tal facto.

    Ela diz que ao contrario do que possa parecer, a biblia nao é repetitiva. O que lhe faz falta é ver livros e revistas escritas nessas linguas. Alias ela acha impressionante que eu leia tanto livro e nunca viu nenhum em linguas nacionais.

    Felizmente para nos, a vovo fala e lê portugues e nao raras vezes serve de interprete para outras vovos la da zona. As poucas coisas escritas, em linguas moçambicanas, sao alguns panfletos que visam a prevençao de doenças e se encontram confinados aos centros de saude.

    Os jornalistas, nao so para a sua compreensao dos factos, como também para a sua transmissao, deveriam conhecer e utilizar as linguas nacionais. Acredito que desta forma, muitos fenomenos seriam esclarecidos.

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  2. Bayano,

    No blog do Milton Machel temos discutido muito esta questão da pobreza jornalística, do "jornalismo sentado" (o tal das conferências de imprensa e dos comunicados), a incapacidade de questionar etc. É um cancro que se reflecte muitas vezes no conteúdo, por exemplo, dos semanários que, independentemente da data da saída, trazem nos sempre a mesma coisa.

    A que é que se deve isso? Que papel jogam as "empresas" jornalísticas e as "estratégias" adoptadas na pobreza que reconheço existir no nosso jornalismo? Que condições deve ter um jornalista para ir além do superficial das conferências e comunicados de imprensa? Que condições lhe são dadas para além do dinheiro de chapa, um cinquentinha, para se fazer presente nessas conferências e reproduzir os comunicados?

    No fundo, ao tentarmos analisar as perguntas acima, podemos chegar a conclusão de que muitas das "empresas" debatem-se para sobreviver e que, em alguns momentos, basta uma "notícia" bombástica para vender papel e noutras páginas toda e qualquer inchundia para completar número. (as aspas na "empresa" são propositadas...)

    Quanto as linguas nacionais, os definidores de políticas e outros actores já deviam ter, há muito, percebido o seu valor. Nas zonas rurais, tal como a avô da Ximbi, muita gente sabe ler; aliás eu próprio aprendi a ler com bíblia e o hinário Twanano em uso na Igreja do Nazareno (igrejas, outros actores cujo papel naquelas zonas tem que ser reconhecido) portanto, numa estratégia bem medida e pensada, as linguas nacionais podiam, e bem, servir o desiderato de informar e formar e, quiça, evitar as mortes directas por causa de simples boatos e as indirectas em consequência das mortes boateiras.

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  3. Bayano
    Ressalta-me uma história, que foi contada, de um tipo que levava bons açoites todos os dias, porque não sabia responder a quanto seria igual a soma de duas uvas. Num outro dia, um seu amigo, que sabia que havia meros problemas de comunicação, decidiu traduzir as uvas em massalas e a resposta não tardou: igual a quatro.
    O professor em causa era Português e o aluno moçambicano, que sempre pensou em changana, e que, no rol de frutas, nunca entrou uvas e quejando.
    A maioria dos nossos jornais, e maxime televisões, fala, para um círculo restrito de população e nunca para o povo.
    O Brasileiro há muito que ultrapassou este problema, razão, pela qual, muitos moçambicanos identificam-se muito com o interlocutor brasileiro, porque bom comunicador.
    Mesmo antes das antes da introdução das línguas nacionais, se soubéssemos ao menos traduzir o português para as formulas simples do nosso imaginário, seria um passo.
    Nem sei se o jornalista informa, para atacar a questão da falta de educação. Muitos, sem se aperceber, acabam, deixando seus prejuízos, em prejuízo da informação.

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  4. Bayano
    As linguas nacionais são uma riqueza por explorar. mas aí aumenta o número de informados onde é que vamos colocar as perguntas do tipo quem está por de traz da imparcialidade do fulano? Amosse lembra-se no Mimos quando eu dizia que devemos continuar como eramos na virtualidade na forma de interpelar os assuntos! exatamente pelo facto de que só isso traz subsídios válidos.

    Há muita gente que prefere ouvir as coisas em linguas locais tal forma que veiculadas em oura lingua deixa de ter interece paa eles. abraços

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  5. Gostei dos comentarios, mexaram comigo...mas sinto-me ofendida na minha profissao de linguista...eh verdade que ha pouco material produzido em linguas nacionais,mas nao podemos ser tao reducionistas.
    ...andava a protelar e nao sei pq motivo...a publicacao (em Mocambique) de um trabalho de reflexao sobre as linguas nacionais. Irei envia lo ao noticias e ao Bayano. Penso que podera (modestia a parte) enriquecer este debate.

    Abracos,
    SJ

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  6. Ah!!! ja agora...se me permitem...sou co-autora de um dicionario Gitonga - Portugues...vendo-o a quem precisar...ainda que apenas p te lo como exemplo de algo produzido em linguas nacionais.

    Bayano...aguardo a factura pela publicidade...ate pq nem me devia chatear, se a divulgacao de tal produto pode servir p colmatar a raridade desse mesmo produto no mercado...nao deveria pagar pela publicidade.

    SJ

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  7. Bayano,

    adorei o teu texto...as postagens anteriores acabaram se detendo na questao das linguas nacionais...que nao eh menos importante, mas repa-raste(raram) a dificuldade de interpretacao da lei do srvico militar obrigatorio?...ouvi barbaridades!!! de facto, temos muitos problemas de interpretacao.
    Abrcs,
    SJ

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  8. Realmente nossas linguas têm sido marginalizadas. Vejam só q mesmo na educação o ensino bilíngue tem sido usado para simplificar a explicação das matérias àqueles que pouco percebem a língua lusa. Acho q podia-se muito bem usar este instrumento pra fazer chegar aos alunos a leitura e escrita das nossas línguas. Quem sabe assim teríamos pelo menos jornais escolares escritos nas nossas línguas.

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  9. Adoraria conhecer Moçambique! Curioso o teu nome: "Bayano"! Eu sou baiano por ter nascido na Bahia, Brasil!
    Belo blog! Abraços!

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    semelokertes marchimundui

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