Porquê recordo-me hoje de Francois-Marie Arouet, mais conhecido por Voltaire? Bem, devido aos seus escritos que embaraçavam o poder do clergo católico na sua época e, por ter sido encarcerado na Bastilha por escrever poemas libelosos sobre o status quo na França, Voltaire trocou o seu país por Inglaterra. Foi aqui que sob a influência dos trabalhos de intelectuais tais como Locke e Newton capitaneou o uso da razão e tornou-se um adepto ferrenho da liberdade de expressão – não tivesse sido ele preso e perseguido pelos seus escritos.
É sobretudo sobre a liberdade de expressão que quero falar - acho que foi Voltaire que disse que “Não concordo com o que tem a dizer mas lutarei até à morte para proteger o teu direito de dizê-lo”. Mais difícil dizer que praticar, não é verdade?
O jornal “Notícias” publicou ontem (5/03/09) uma carta do leitor Sílvio Hamelane Mavome (não posso explicar, mas julgo que este é um pseudónimo que espero não seja de um colega no jornal) pedido socorro ao Conselho Superior de Comunicação Social. O CSCS é o órgão através do qual o Estado garante a independência dos órgãos de informação, a liberdade de imprensa e o direito à informação bem como o exercício de direito de antena e de resposta.
Dentre as suas atribuições o CSCS (i) assegura o exercício do direito à informação e a liberdade de imprensa; (ii) garante a independência e a imparcialidade dos órgãos de informação do sector público bem como a autonomia das profissões do sector; (iii) vela pelo rigor e objectividade no exercício da actividade profissional na área da imprensa; (iv) age na defesa do interesse público; (v) vela pelo respeito da ética social comum, entre outros.
E são competências do CSCS (a) a obtenção junto de qualquer órgão de informação bem como da actividades governamentais, qualquer informação que julgue necessária para cumprir as suas obrigações; (b) o conhecimento das violações à presente lei e das demais disposições legais na área da imprensa, e tomar as medidas apropriadas no âmbito das suas competências; (c) decisão sobre reclamações que lhe sejam dirigidas pelo público respeitantes ao desempenho de qualquer órgão de informação; (e) o zelo pelo cumprimento dos princípios deontológicos dos jornalistas; e (g) a emissão de pareceres e elaboração de propostas no âmbito das suas atribuições; entre outros.
Ademais, as deliberações do CSCS tomadas no exercício das suas competências têm carácter vinculativo. E o CSCS poder fazer recomendações ao Governo sobre as matérias que, no domínio da imprensa, julgue deverem ser objecto de legislação ou regulamentação específica e, na defesa do interesse público, pode intentar acções judiciais em casos de violações da Lei de Imprensa.
Agora que sabemos o quê é o CSCS e quais algumas das suas atribuições e competências podemos voltarmo-nos ao objecto da carta de Sílvio Mavome. Escreve o leitor(?) que “queremos aqui e agora chamar atenção à recém-nomeada gerência do Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS) para que imediatamente preste atenção a brincalhões como ‘O ESCORPIÃO’ e o ‘PÚBLICO’”.
Ambos os semanários têem a mesma génese: até recentemente “O Escorpião” pertencia à firma privada Ômega. Devido à desinteligências entre os seus gestores, um dos editores bandeou-se e conjuntamente com os donos da firma criou o semanário “Público”.
Porquê quer chamar atenção do CSCS? Porque no seu entender os órgãos de comunicação acima mencionados, os quais recusa chamá-los de jornais “não têm o mínimo de estrutura para serem considerados como tal, a começar pelo perfil dos seus colaboradores: Não sabem escrever um texto com coerência e coesão comunicativa; não sabem usar conectores discursivos... na realidade não dominam a gramática tradicional e mais grave nem fazem esforço de ter um linguista ou professor de Português para ajudá-los a fazer a revisão dos seus textos. Consequentemente, as pessoas são obrigadas a comprar e a ler um monte de palavras desconexas na sua essência e forma.”
Em suas palavras, os gestores desses órgãos de comunicação social querem apenas “tirar o máximo proveito, vendendo montes de papéis sem nenhum interesse, porque infelizmente alguns moçambicanos distraídos gostam e têm paixão pela fofoca, tendo isto tornado-se um estilo de vida.” São, portanto, praticantes daquilo que ele define de jornalismo informal caracterizado pela prática de boato. São acusações graves e que não me parecem ao de todo infundadas.
A minha opinião sobre os dois semanários é muito pobre, mas ela não interessa. O que interessa é a questão levantada pelo autor da carta. Há aqui um conflito entre no mínimo três direitos, a saber, o direito à liberdade de imprensa, o direito à liberdade de expressão e o direito à não ser ofendido. Os jornalistas dos dois semanários acreditam, acho eu, que estão dentro dos seus direitos ao publicarem-nos. O autor da carta sente-se ofendido com os conteúdos dos mesmos, ou a forma como esses conteúdos são abordados.
Não compete a mim decidir quem é que deve ou não publicar (isso faço dentro da minha casa onde decido que tipo de publicação entra baseado em meus próprios critérios). Ao meu ver, essa tarefa compete, a partir da altura em que o órgão de comunicação social é licenciado, à ninguém – tenho que introduzir uma qualificação e dizer que em casos extremos os tribunais podem, mas isso já entra no campo de Estados totalitários de concepção orwelliana.
Quero acreditar que existe um mercado de ideias onde elas devem competir, e deixando-se as ideias fluirem atingimos o objectivo final de ver a melhor ideia a ser aceite. Jornais como “O Escorpião” e “Público” existem porque têem alguma validade nesse mercado. No dia em que os seus leitores acharem que já não servem a função para o qual foram estabelecidos caírão na bancarrota.
Não é nos socorrendo ao CSCS que esses semanários deixarão de publicarem aquilo que acharem pertinente para os seus leitores - evidentemente que quem estiver ofendido com os escritos desses jornais pode fazer uma exposição junto do CSCS e se quiser recorrer aos tribunais pois está livre de fazê-lo.
Entretanto, deixem o mercado de ideias mostrar-nos uma clara percepção da verdade jornalística produzida através da sua colisão com o erro, como diria John Stuart Mill. O que posso dizer é, como o nosso Voltaire, posso discordar do que os dois semanários têem a dizer mas lutarei (obviamente não atè à morte) pelo direito deles de dizê-lo.
Excelente.
ResponderEliminarmuito obrigado professor.
ResponderEliminarBayano, luminosos este teu post. A existência de jornais como o
ResponderEliminarEscorpião e o Público inscreve-se naquilo que eu chamaria de "Direito à
Mediocridade" - assim como o Fim-de-semana nos escandalizava há uns tempos
e hoje desapareceu como aquele tablóide sensacionalista que mexia com a
cidade, creio que a "selecção natural" vai tratar ou de os manter ou
fortificar, quiçá como reflexo da nossa sociedade (da personalidade ou do
estado?), ou os fará desaparecerem. E, concordando com José Rodrigues dos
Santos, em nome da liberdade de expressão, é sempre melhor errar por excesso
do que errar por défice ou (não) errar por não fazer.
Ou, parafraseando Carlos Cardoso, é proibido pôr algemas nas palavras - mesmo que essas sejam portentas de mediocridade, e sobretudo se elas forem reflexo da nossa sociedade, contanto que se espere que os media sejam uma espécie de elite (no sentido intelectual, tout court)e não transportem os defeitos do vulgo. Enfatizaria esta minha intervenção adaptando uma expressão há dias da minha professora de Português, Irene Mendes: nos documentários (acrescento, nos media) é preciso não cortar as expressões dos entrevistados, mesmo que revelem alguma ignorância ou desconhecimento sobre o que estão a dizer, pois isso revela-nos como essa pessoa ou parte da sociedade lê ou percebe tal assunto.
Em Moçambique, Bayano, o Jornalismo que temos mais do que uma Janela que abre os olhos dos cidadãos para o mundo e para a sociedade é um Espelho do nosso real...até nessa mediocridade, nessa culturite da fofoca transformada em "modus vivendi" e "modus operandi" no meio social e mesmo no meio profissional. Não é por acaso que gosto dos H20 - aqueles miúdos que misturam pandza, bounce e hip-hop, oriundos do Chamanculo - quando cantam "A Khale Kwanga" e sobretudo agora "Uta Ti Sunga, Hi Kussa ma ouvir dizer". Viva a liberdade de expressão, mesmo que dê azo ao direito de arrogância e manifesto de ignorância.
Aquele abraço, Machel
milton,
ResponderEliminartenho que começar a ler muito de escritores portugueses - é um defeito adquirido nos bancos da escola na suazilândia. mais gostei da afirmação de josé rodrigues dos santos. a analogia de selecção natural até pode ser estendida aos partidos políticos - onde estão?
quanto ao espelho, um dia desses vou criar uma polémica sobre algumas das razões que aponto como estando por detrás da mediocridade no jornalismo moçambicano (ainda não é desta).
abraços
Bayano, jà li muitos escritos teus, dentro e fora do perimetro do teu blog, e depois dessa ùltima resposta que deste so' posso te dizer que és um dos bloguistas com a cabeça mais fria por mim jà lidos.
ResponderEliminarEu näo estou perto dos tais jornais em discussäo, mas se é que säo mesmo mediocres e em nome da liberdade de expressäo queremos que continuem em circulaçäo, entäo vou me permitir a dizer que no's, a sociedade, temos desejos paradoxais, alias, temos mesmo, queremos e näo queremos o famoso: ''deixa andar''. Talvez porque o do caso presente tenha leis que o defendem.
Até aqui, säo muito poucas as vezes que li as tuas opiniöes e näo estive de acordo. Do meu ponto de vista, cumpres com os teus seguintes dizeres: ''Tento usar as palavras sabiamente e não ficar sábio após ter cometido uma besteira.''
Avante Bayano.
Tens uma ''pessoice...''
Félix
caro félix,
ResponderEliminarmuito obrigado por passar por esta casa que também é sua. sinto-me muito lisonjeado com os comentários abonatórios a meu respeito. espero também que no dia que errar me possa corrigir, porque é aprendendo dos nossos erros que também podemos crescer mais e melhor servirmos a nossa pátria. de facto, existem paradoxos mas temos que saber lidar com eles. não sei se a analogia de calçar os sapatos do outro serve, mas se cada um de nós fizer esse exercício, quem sabe o mundo melhora? quanto ao resto, penso que o mercado vai ditar quem permanecerá por quanto tempo.
abraços
Bayano, trate me por tu, tenho idade para ser o teu irmäo mais novo, podes crer.
ResponderEliminarO nosso comportamento actual obriga-me a manifestar apreço à quem se dirige com cuidado e respeito aos outros.
Eu sou täo imperfeito que jà nem consigo enxergar os erros. Para là de tudo, das poucas vezes que näo estive de acordo contigo, o problema näo foi de erros, mas sim de maneiras diferentes de ver as situaçöes. E como para sacrificàrmos o ponto de vista do outro à favor do nosso precisamos argumentar e bem, näo tenho tido tempo para esse exercicio, e também por muitas das vezes se tratar de assuntos que a sua resoluçäo näo dependa de no's, apenas manifestamos o desejo de sermos pequenos deuses de resoluçäo de problemas.
Porquê deixar o sapato estragar-se arrumado enquanto hà quem o precisa para coisa melhor? Calce tantos quanto pôderes Bayano.
Bom trabalho para ti.
Um forte abraço.
Félix.
caro félix,
ResponderEliminarmais uma vez obrigado por passares por cá. aha... somos todos nós imperfeitos, apesar de existirem aguns quais narcissistas que se julgam perfeitos (vê se pôde, como dizem os brasileiros). entendo-te quando falas de falta de tempo. eu gostaria de escrever todos os dias, mas não posso por falta de tempo. quando chego à casa já estou estoirado que apenas consigo ler e dormir. não é desculpa.
quanto aos sapatos, não há problema desde momento que não sejam apertados.
abraços
Viva Bayayo,
ResponderEliminarAntes de nada, peço perdäo por te estar a roubar tempo em parafrasear algo que näo tem nada a ver com a razäo da tua postagem. Sinceramente, esta troca contigo me tem sido terapéutica, estou numa terrivel pressäo escolar.
Sabes, acho que nos ùltimos dias tenho sido nascisista sim, pois, so me preocupo com o que està na ordem do meu bom aproveitamento escolar.
Espero que as tuas ocupaçöes emagreçam para que tenhas mais tempo de fazeres o que mais gostas.
Um forte abraço
Bom fim-de-semana.
Félix
nada disso meu caro félix. caso contrário nãp teria criado o blogue. não estás a roubar tempo nenhum. digá-me lá, quem não se preocupa com o que lhe acrescenta mais valor? eu, pelo menos, concentro-me nisso e faço os possíveis para continuar assim.
ResponderEliminaragora digo eu: tenha uma boa semana.
abraços
Muito obrigado, embora a semana näo tenha começado na ordem dos desejos. Veja que logo no seu primeiro dia somos dados a saber que hoje, terça-feira, temos que simular a defesa do diploma que passaremos em junho. Ninguém contava com isso täo jà, pois, normalmente, o que chamam de diploma em branco é passado em maio.
ResponderEliminarMas bom, näo hà mais a fazer se näo uma breve preparaçäo.
Fica bem meu caro.
Boa semana para ti também.
Félix.
Forca, mano Bayano
ResponderEliminarOlha gostei do poste.
caro félix,
ResponderEliminardesculpe-me não poder tido o ensejo de te responder antes. o trabalho tem sido muito. espero que a simulação tenha corrido bem. bem, a partir de amanhã terei algum tempo para reflectir e escrever algo.
abraços
caro adf,
ResponderEliminarobrigado pelo elogio. passe mais vezes. a casa é tua.
abraços
Viva Bayano,
ResponderEliminarA simulaçäo foi boa mas isso näo faz de mim um individuo descansado, pois, os juris para a passagem do diploma säo uns forasteiros com os quais näo hà nenhum contacto que no dia do julgamento. Até aqui tenho me saido bem mas continuo inquieto por causa dos desconhecidos que viräo decidir sobre o meu ano.
Näo te deves desculpar por falta de tempo, jà disse que quando o tens, o aproveitas com dignidade.
Obrigado por tudo.
Boa semana e fica bem.
Félix